sexta-feira, 22 de maio de 2015

Anemia e Hemograma na AIDS

FAILACE, R. et al. Hemograma – manual de interpretação. – 5. Ed. – Porto Alegre: Artemed, 2009

            A infecção pelo HIV afeta a tal ponto as células sanguíneas que se justifica fazer a pesquisa de anticorpos sempre que um hemograma mostrar citopenias sem explicação evidente.
De 10 a 30 dias após o contágio, costuma haver uma doença febril, com linfócitos atípicos no sangue, com cura espontânea. A progressão a seguir é assintomática, salvo discretas linfonodomegalias, na maioria cervicais, em alguns pacientes, mas há intensa proliferação do vírus nos linfócitos T-helper CD4+ (resumidamente CD4), 2% dos quais estão no sangue circulante e em torno de 98% nos tecidos e órgãos linfoides. A sintomatologia da infecção (=aids) em aproximadamente 50%, até 10 anos e aproximadamente 10% dos pacientes ultrapassam 20 anos sem sintomas da doença.
No hemograma, a mais constante alteração é a baixa progressiva de linfócitos CD4 por efeito citopático direto do vírus. Como são os linfócitos predominantes no sangue (50 a 60%), a diminuição causa linfocitopenia global. A identificação/contagem dos subtipos de linfócitos é feita por citometria de fluxo; já há contadores eletrônicos próprios para hemograma que, com software especial, fazem essa determinação. Como os linfócitos CD4 têm papel central na resposta imunológica, os demais leucócitos alteram-se secundariamente. Sem CD4, os linfócitos T-supressor CD8+ (resumidamente, CD8), os linfócitos natural killer (NK) e os monócitos-macrófagos não desenvolvem respostas antivirais apropriadas. O HIV estimula os linfócitos B na formação de autoanticorpos e de anticorpos a antígenos já conhecidos; há hipergamaglobulinemia policlonal, mas a formação de anticorpos contra novos antígenos é deficiente.
O número critico de linfócitos CD4, abaixo do qual costuma instruir-se a terapia antiviral, foi arbitrado em 350/µL. Com o controle da proliferação do víssarus pelo coquetel atual, embora seja raro haver aumento, há estabilização durável do número de CD4 e da resposta imunológica. Com CD4 < 200/µL, institui-se profilaxia de infecções oportunísticas.
As séries mieloides são também comprometidas:
Anemia: está presente em 10% dos pacientes assintomáticos, em 50% dos pacientes com linfonodomegalias e em 80% dos pacientes com aids declarada. Tem as características hematológicas usuais da anemia das doenças crônicas. São mecanismos operantes:
·         Mecanismos usuais de ADC em todos os pacientes.
·         Iatrogenia própria da zidovudina (AZT) ou estavudina: a anemia instala-se a partir do 2º mês de tratamento, é macrocítica e progressiva. A anemia pode ser severa a ponto de exigir reposição transfusional. É reversível com a cessação do uso da droga e responde a tratamento com rHu-Epo.
·         Hemólise autoimune, com Coombs-positivo, em 5 a 10% dos casos.
·         Granulomatose na medula, especialmente por Mycobacterium aviarium. Intensificação da anemia acompanhada de neutropenia ou trombocitopenia exige biópsia da medula óssea.
·         Infecção por parvovírus: a parvovirose sempre causa uma aplasia eritroide fugaz; como em pacientes com aids a infecção é persistente por deficiência da resposta imunitária, a aplasia torna-se duradoura. Há rereticulopenia e anemia extremas; costuma responder ao tratamento com imunoglobulina humana intravenosa.
·         Infiltração da medula por lilnfomas aids-correlatos.
Neutropenia: é notada na evolução da aids em 50 a 70% dos casos.
São mecanismos operantes:
·         Inibição da mielopoese pelas drogas antivirais ou anti-infecciosas.
·         Replicação inadequada das células mieloides infectadas pelo HIV.
·         Virose coexistentes.
·         Leucoaglutininas oriundas de disfunção autoimune dos linfócitos B.
·         Alteração das citoquinas e fatores de crescimento.
·         Infiltração da medula por linfomas aids-correlatos.
Trombocitopenia: está presente em mais de 30% dos pacientes. Na experiência do autor, tem sido várias vezes o sinal que levou ao diagnostico. Geralmente decorre de anticorpos antiplaquetas oriundas da imunidade alterada e/ou da presença de complexos imunes que se adsorvem às plaquetas e causam sequestração no sistema macrofágico. Inibição da megacariocitopoese pelo HIV, por outros vírus ou por drogas pode ser coadjuvante. Quando autoimune, a trombocitopenia melhora com o uso de corticoides e com a esplenectomia, mas ambos são procedimentos inaceitáveis por piorarem a imunidade já comprometida.
Desde o início dessa tragédia médica do fim do segundo milênio, tem-se notado que os pacientes com aids são propensos, 20 a 100 vezes mais que a população geral, ao desenvolvimento de linfomas B. predominam os linfomas Burkitt e Burkitt-like, os linfomas difusos de grandes células e os antes raríssimos linfomas primários do sistema nervoso central, todos de elevada malignidade. As deficiências imunológicas e da hematopoese impedem uma quimioterapia eficaz; a sobrevida mediana é de poucos meses, e a mortalidade, total.

O sarcoma de Kaposi correlaciona-se com a doença avançada, mas não diretamente com alterações hematológicas.    

Número de casos de Leishmaniose em humanos na cidade de Porto Alegre (2002 - 2010)


Dados: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cgvs/default.php?p_secao=276